1.
Introdução
Identificar
um material ou agente radiológico é de grande importância para as
diversas atividades envolvendo o uso de radiações ionizantes.
Conhecendo o material é possível definir a maneira adequada de
manuseá-lo pois saberemos o tipo de radiação que ele emite, bem
como sua forma física e química, seu tempo de meia-vida (T1/2)
entre os informações importantes. A identificação destes
materiais é feita através da análise e determinação do espectro
de energia discreta que o material radioativo é capaz de emitir. Na
grande maioria das vezes, este espectro de energia é obtida através
da técnica de espectrometria de fótons podendo ser utilizados
detectores semicondutores ou cintiladores inorgânicos.
Aqui
analisaremos a utilização de detectores cintiladores para a
realização da técnica de espectrometria de fótons. O motivo desta
escolha é em função destes detectores poderem trabalhar a
temperatura ambiente, terem alta eficiência de detecção, uma
resolução que propícia a identificação em instalações abertas
e poderem ser construídos de forma compacta, portátil e
transportável para uso em diversos ambientes.
Os
identificadores radiológicos portáteis são largamente utilizados
para diversos fins como:
Segurança
radiológica em grandes eventos;
Busca
de fontes radioativas extraviadas;
Avaliação de
emergências radiológicas e nucleares;
Avaliação de cargas
em portos, aeroportos e fronteira.
2.
Propriedade dos cintiladores inorgânicos
A
detecção de radiações ionizantes pela cintilação, produzida em
determinados materiais, é uma das técnicas mais antigas
registradas. Detectores baseados nestes materiais possuem elevada
eficiência de cintilação, conversão linear da quantidade de
energia em luz, tempo de decaimento da luminescência curto para a
geração rápida de pulsos, meio transparente e índice de refração
próximo ao do vidro permitindo o acoplamento do cristal com o tubo
fotomultiplicador (Knoll, 2000).
O
mecanismo de cintilação em materiais inorgânicos depende dos
estados de energia da rede cristalina do material. Num cristal
cintilador puro, a energia da radiação incidente absorvida é
cedida aos elétrons da banda de valência, sendo estes excitados
para a banda de condução. Entre essas bandas existe uma faixa
intermediária de energia chamada de banda proibida, na qual não há
estados possíveis e, portanto, não se encontram elétrons. O
retorno do elétron para a banda de valência com a emissão de um
fóton representa um processo ineficiente de cintilação, pois as
diferenças energéticas são tais que o fóton resultante possui uma
energia muito alta e não se enquadra na faixa do visível. Como
resultado desse processo, o cristal apresenta-se opaco à sua
radiação de cintilação (Lima, 2006).
A
adição de pequenas quantidades de impurezas ou material ativador
(no caso do NaI é usado o Tálio) cria níveis de energia na banda
proibida. Criados pelo elemento ativador na banda proibida, eles
permitem a desexcitação de um elétron da banda de condução para
a banda de valência, com a emissão de fótons com comprimento de
onda (410 mm), o que corresponde à luz do espectro visível. O
cristal é basicamente transparente para esses fótons, que assim
alcançam o fotocatodo do tubo fotomultiplicador, que possui boa
sensibilidade à cintilação dessa luz visível (Lima, 2006).
2.1.
Resolução em energia
Relaciona-se
com a capacidade do detector de cintilação em discriminar a energia
de dois fótons emitidos com energias diferentes em seu volume útil.
A resolução de um detector é determinante em sua capacidade de
medir a distribuição de energia da radiação incidente e é
convencionalmente definida como a razão entre a largura à meia
altura do pico (FWHM) e o valor do canal central da distribuição do
pico (H0).
A
resolução em energia típica de detectores cintiladores inorgânicos
cilíndricos de NaI(Tl) para a energia do fóton gama emitido por uma
fonte de 137Cs
(661,62 keV) é cerca de 6 a 7%.
2.2.
Eficiência de detecção
Caracteriza
a capacidade do detector em registrar os fótons emitidos por uma
fonte de radiação ou que incidem na superfície de um detector. O
tamanho e a forma do cristal influenciam a eficiência de detecção,
sendo que a espessura do cristal cintilador na direção da
trajetória do fóton incidente tem maior influência. A eficiência
de um detector pode ser classificada como absoluta e intrínseca.
A
eficiência absoluta é dada pela razão entre o número de
partículas ou fótons detectados e o número de partículas ou
fótons emitidos pela fonte de radiação. Esta eficiência sofre
influência da geometria de medição utilizada.
A
eficiência intrínseca é dada pela razão entre o número de
partículas ou fótons detectados e o número de partículas ou
fótons incidentes no detector. Diferente da eficiência absoluta,
não sofre influência da geometria de medição utilizada, mas da
dimensão da face do detector em que a radiação incide.
2.3.
Detectores cintiladores de NaI(Tl)
Em
1948, Robert Hofstadter demonstrou que o cristal de iodeto de sódio
(NaI), com tálio (Tl) como elemento ativador, produz emissão de luz
de cintilação excepcionalmente intensa em comparação com os
materiais orgânicos que já haviam sido estudados. Mais do que
qualquer outro evento, tal descoberta inaugurou a era moderna da
espectrometria por cintilação da radiação eletromagnética
ionizante com energia discreta, sendo este cristal de cintilação
ainda hoje frequentemente usado em espectrometria de fótons, apesar
de décadas de pesquisas subsequentes com outros materiais de
cintilação. (Knoll, 2000)
O
número atômico relativamente alto do iodo (Z=53) e a massa
específica do cristal (3,667 g/cm3)
influenciam de forma significativa o efeito de absorção
fotoelétrica, necessário para a máxima deposição de energia da
radiação incidente, dando a este cristal boa eficiência de
cintilação. A resposta em intensidade luminosa do cristal de
NaI(Tl) é razoavelmente linear com a energia do elétron depositado,
havendo uma pequena não proporcionalidade na faixa de 10 – 100
keV. Esta proporcionalidade permite relacionar a energia absorvida
pelo cristal com a amplitude do sinal de corrente obtido com o
detector, que por sua vez, está relacionado com a energia do fóton
incidente.
O
cristal de NaI(Tl) é higroscópico devendo ser mantido
hermeticamente fechado revestido por material refletor, exceto na
superfície do fotocatodo do tubo fotomultiplicador, reduzindo assim
as perdas por reflexão e absorção nas superfícies laterais do
cristal. Suas dimensões e forma influenciam na eficiência de
cintilação para a função resposta do detector.
Nos
detectores cintiladores de NaI(Tl), a cintilação produzida pela
passagem de radiação ionizante precisa ser convertida em sinais
elétricos para que se possa medir a energia depositada. Para tal, há
a necessidade da presença do tubo fotomultiplicador. A estrutura
básica de um tubo fotomultiplicador é apresentada na figura abaixo.
3.
Espectrometria de fótons com cintilador
Os
fótons não possuem carga ou massa sendo, portanto, radiação
indiretamente ionizante e capaz de transferir toda ou parte de sua
energia para os elétrons orbitais dos átomos do material. Esses
elétrons têm energia máxima igual à energia do fóton incidente
subtraída da sua energia de ligação e que depositarão essa
energia por meio de ionizações e excitações no meio de interação.
Para
que um material possa ser utilizado como detector e servir para a
realização de espectrometria de energia para fótons, ele deve ser
capaz de realizar a transferência de energia desses fótons para
elétrons orbitais dos átomos da estrutura e funcionar como elemento
de detecção dos elétrons secundários produzidos pelos fótons
incidentes por meio da coleta dos elétrons liberados na ionização
dos átomos do meio.
3.1.
Resposta de detectores para as energias dos fótons incidentes
O
espectro de energia de fótons de radiação gama ou raios X irá
depender do tamanho, da forma, da composição do detector e também
da geometria de irradiação. Para espectros de fótons com baixa
energia, a função resposta do detector será influenciada pelo
espalhamento Compton (componente contínuo) e pela interação por
efeito fotoelétrico (componente discreto).
A
função resposta do detector para o espectro de energia dos fótons
incidentes, também pode ser afetada, tanto em seu componente
contínuo quanto no componente discreto da função resposta do
espectro de energia dos fótons incidentes em virtude dos seguintes
mecanismos (Lima, 2006):
Formação
de pico escape por elétrons secundários;
Ocorrência
de bremnstrahlung;
Presença
de raios X característicos e
Interações
secundárias criadas por decaimento radioativo, como a influência
dos materiais envoltórios.
A
Figura abaixo apresenta o espectro decorrente de fótons com uma
única energia esperado para um detector real onde os processos de
interação citados acima estão representados.
O
pico escape dos raios X característico se forma quando a absorção
fotoelétrica ocorre próximo à superfície do detector, podendo
ocorrer o escape do raio X característico gerado. Um novo pico surge na
função resposta separado do fotopico, por uma diferença de energia
igual a dos raios X característicos que escaparam.
Nos
detectores cintiladores com cristal de NaI(Tl), ocorre a emissão de
2 (dois) raios X característicos em função da presença do iodo
(I) no cristal. Estes raios X
característicos possuem a energia de 28,6
keV (Kα
) e 33,2 keV (Kβ
) (Preedy et al, 2009). Normalmente, estas energias são absorvidas
pelo cristal. Entretanto, se a energia do fóton incidente é baixa,
a interação ocorre próximo à superfície do cristal e este fóton
escapa. Como resultado, no espectro de função resposta do detector
a uma fonte monoenergética com energia na faixa utilizada em raios X
para diagnóstico, aparecerá um pico cuja energia corresponde à
energia do fóton incidente menos a energia dos raios X
característico do iodo, que normalmente são representadas no
espectro como um único pico com energia média em torno de 28 keV,
chamado pico escape do iodo.
Os
detectores para serem usados em espectrometria são normalmente
envolvidos por outro material, seja o material de seu encapsulamento,
blindagem para redução de radiação de fundo (background)
ou uso de colimadores na geometria de medição. Estes materiais
podem ser fontes potenciais de radiação secundária e, se esta
interagir com o detector, pode influenciar na forma da sua função
resposta do espectro (Lima, 2006).
4.
Outras tecnologias de cintiladores
Cintiladores
com melhor resolução, como o brometo de lantânio, possuem FWHM
menores resultando em fotopicos mais estreitos e, desta forma,
possibilitam a
descriminação de um maior número de energias e consequentemente
uma melhor identificação de materiais radioativos.
Os
cintiladores de brometo de lantânio (LaBr3:Ce)
possuem uma resolução em energia significativamente melhor se
comparado aos cintiladores de NaI(Tl). A resolução alcançada pelo
cintilador de LaBr3:Ce
para o fotopico da radiação gama emitida por uma fonte de 137Cs
é de 2,7%, muito melhor que em um NaI(Tl) que possui uma resolução
típica de 7% para esta energia.
Também
em energias mais baixas e compatíveis com a faixa utilizada em
radiologia diagnóstica como as dos fotopicos gama de 122,1 keV e
136,4 keV emitidos por uma fonte de 57Co
há ganhos expressivos. A resolução do cintilador de LaBr3:Ce
para o fotopico do gama de 122,1 keV é de 5,7%. A resolução dos
cintiladores de NaI(Tl) não permite dissociar, no espectro obtido,
os fotopicos das energias de 122,1 e 136,4 keV emitidos pela fonte de
57Co,
eles são representados como um único fotopico (Fiorini, 2006).
5.
Referência bibliográfica
FIORINI,
C. et al, 2006, “Gamma-Ray Spectroscopy with LaBr3:Ce Scintillator
Readout by a Silicon Drift Detector”, IEE Transaction on Nuclear
Science, Vol 53, n°4, August.
KNOLL,
G. F., 2000, Radiation Detection and Measurement – 3a
edição, Ed. John Wiley&Sons Inc. , USA.
LIMA,
C. A., 2006, Avaliação da Performance de Detectores Iodeto de Sódio
NaI(Tl) em Centrais Nucleares – dissertação de mestrado,
COPPE/UFRJ, RJ.
PREEDY,
V. R., BURROW, G. N., WATSON, R. R., 2009, Comprehensive Handbook of
Iodine Nutricional, Biochemical, Pathological and Therapeutic Aspects
– Ed. Elsevier Inc. , San Diego – USA.